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18 de Abril de 2024

A aplicabilidade da Lei de Organizações Criminosas nos esquemas de Pirâmide Financeira e Ponzi

*Jorge Calazans

há 4 anos


Equiparado a uma grande nuvem de gafanhotos, os esquemas de pirâmide financeira e Ponzi não param de crescer no Brasil. De todas as fraudes identificadas no país 55% são esquemas dessa natureza que já lesaram 11% da população brasileira. A CVM (Comissão de Valores Mobiliários) recebeu 10 vezes mais reclamações no ano de 2019, do que nos últimos 7 anos. Com o advento da internet, e principalmente com a popularidade das criptomoedas, os golpistas encontraram um solo fértil para fisgar vítimas desavisadas.

Primeiramente, vale diferenciar as pirâmides financeiras do esquema Ponzi que tem como uma das similaridades o fato de ambos serem fraudes financeiras. Os esquemas de pirâmides são baseados em construção de rede e necessitam que os participantes recrutem novos membros para ganhar dinheiro. Portanto, cada participante recebe uma comissão antes de entregar o dinheiro para o topo da pirâmide. Já o esquema Ponzi é apresentado como serviço de gestão financeira, fazendo os participantes acreditar que o retorno é resultado de um investimento real. O criminoso basicamente utiliza o dinheiro de um investidor para pagar ao outro.

Nos esquemas dessa natureza, existe sempre uma figura central, um grande líder uma figura que muitas vezes é tratada com devoção messiânica enquanto todos estão se beneficiando do dinheiro. Muitas vezes a tiracolo tem um ou mais comparsas associados, que são tratados como deuses ante a devoção dos incautos.

Essa devoção tem tempo determinado no roteiro desses crimes, tem um momento que os saques são suspensos, e a devoção vira uma mescla de sentimentos que beiram o desespero, o ódio e em algumas vítimas a subserviência, pois se colocam em uma posição de vassalo desses criminosos, com objetivo de serem os primeiros a receber em uma eventual devolução do dinheiro para os investidores.

Nesse momento é possível e qualificar os atores da organização, em que pese seja difícil identificar se a figura central é o denominado Faraó, que são milionários que atuam internacionalmente plantando pirâmides nos países, ou se são sócios laranjas, que são pessoas que residem no país alvo e investem para ter um retorno percentual com o sucesso do golpe.

Atrelado ao esquema criminoso, surgem figuras que se utilizam da sua capacidade de liderança para atrair novos investidores fazendo fortunas com isso, geralmente ostentando o resultado dos golpes em suas redes sociais despertando o interesse de novas vítimas.

No que tange aos investidores os mesmos são divididos em duas categorias. Primeiro aqueles que acompanham os líderes com a ciência que o esquema é fraudulento, mas se arriscam para fazer fortuna rápido dentro do golpe, que podemos denominar como participantes conscientes. O segundo grupo, que é a grande maioria de investidores, formado por pessoas que não fizeram uma pesquisa prévia, que deduzem ter encontrado a fórmula para ficar rico, que denominamos de vítimas de primeira viagem.

Ante essa divisão de papéis e nível de consciência, convém conceituar o que é organização criminosa, conforme previsto no art. 1º, § 1º da seguinte forma: na lei 12.850 de 2013, que considera organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.

Na redação do artigo, fica claro que o mesmo tem alguns destaques que são essenciais para a caracterização do delito, quais sejam, a composição de quatro ou mais pessoas, de forma estruturada, com divisão de tarefas, obtendo vantagem de qualquer natureza com a prática de infrações com penas máximas superiores a quatro anos ou de caráter transnacional.

Ante toda a descrição dos atores na estrutura dos esquemas Pirâmide e Ponzi, fica claro que tanto o descrito como Faraó como seus comparsas, sócios e líderes se enquadram perfeitamente no descrito tipo legal. No que tange as vítimas, os participantes conscientes não se enquadram, pois assumiram o risco da própria torpeza, e não podem figurar na mesma categoria daqueles que denominamos de vítimas de primeira viagem.

Na questão relacionada à pena máxima superior a 4 anos para configurar a organização criminosa, se faz necessário a separar o joio do trigo, pois crimes dessa natureza podem tanto ser enquadrados como estelionato, ou como o crime previsto no artigo 2º da Lei dos Crimes contra a Economia Popular. No estelionato que tem pena que permite o enquadramento no tipo da organização criminosa, a vontade do autor é dirigida para uma pessoa determinada. Já no crime contra a economia popular o delito dirige-se para uma universalidade de sujeitos indeterminados e sua pena é inferior para a configuração.

Essa identificação das vítimas e das suas histórias para que se alcance o numero determinado de pessoas que se faz necessário para assim realmente configurar o organização criminosa e não apenas um mero concurso de pessoas atrelado a um crime de baixo potencial ofensivo. Para tanto trazer para colação o que elenca a lei que combate as organizações criminosas em seu artigo 2º:

Art. 2º Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa: Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas

Além de enquadrar esses criminosos na presente lei, se faz urgente a aprovação do Projeto de Lei 4.233/2019, de autoria do senador Flávio Arns (REDE/PR), que busca criar o tipo penal de pirâmide financeira, endurecendo a pena para quem for condenado neste esquema fraudulento. Somente com o fim desse sentimento de impunidade, bem como o perdimento de bens e valores adquiridos com o proveito do crime, é que efetivamente serão combatidos esses esquemas fraudulentos que devassam as economias de milhões de brasileiros.

Jorge Calazans – Advogado, especialista na área criminal, Conselheiro Estadual da ANACRIM, Sócio do Escritório Calazans & Vieira Dias Advogados, com atuação na defesa de vítimas de fraudes financeiras.

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